quarta-feira, 24 de abril de 2024
domingo, 21 de abril de 2024
Transcripto: José de Abreu e a Independência do Paraguai (9 a 23 de maio de 1811)
«Regressa do Paraguai o tenente José Abreu dando noticias circunstanciadas dos sucessos políticos daquela provinda espanhola; receção que teve o dito tenente na residência do Governador Velasco ; este se manifesta inteiramente submisso aos desígnios da Princesa D. Carlota, pois que não reconhece outro sucessor á coroa e domínios da Espanha ; regozijo popular em sinal da aliança dos portugueses com os paraguaios; levante de quartel, prisão e espancamento do major Cabrera ; intimação ao governador e sequestro do tenente Abreu; acentua-se a revolução ; assédio da casa do governador; deposição de Velasco; D. Fulgencio Yegros assume o Governo ; o tenente Abreu despede-se de D. Bernardo Velasco e este reafirma sua fé politica em D. Carlota, a quem reconhece como única sucessora de D. Fernando VII, e pede ao tenente Abreu que interceda junto a D. Diogo de Souza para que venha em seu socorro, na dolorosa situação em que se acha; o novo governador Yegros afirma contar com recursos vindos de Buenos Ayres.
[Carta de Francisco das Chagas Santos, governador das Missões Orientais ao capitão-general do Rio Grande do Sul, D. Diogo de Sousa, recontando o testemunho do tenente José de Abreu dos eventos em Assunção em torno do 14 de maio de 1811; ortografia modernizada]
Ilmo. e Exmo. Senhor.
Com o regresso do tenente de Dragões José de Abreu, que aqui chegou ontem do Paraguai, se verificam as notícias, que participei a V. Ex.ª no meu ofício de 30 do mês passado, a respeito daquela província, donde não sem trabalho e receio se livrou o mesmo tenente; o qual me fez a seguinte narração de tudo quanto aconteceu, e ele observou pessoalmente. Achando-se detido no povo de Itapúa [no original, Ytapua; atual Encarnación] 15 dias o mesmo tenente Abreu pelo tenente-coronel e tenente governador D. Fulgencio Yegros [Fulgencio Yegros y Franco de Torres, 1780-1821], recebeu esta carta do governador D. Bernardo Velasco [Bernardo Luis de Velasco y Huidobro, 1742-1823], assim como o sobredito tenente para que continuasse a sua marcha à cidade de Assunção, onde em consequência chegou a 9 do mês de maio depois de nove dias de viagem desde o citado povo. 9 léguas distante daquela cidade foi recebido o tenente Abreu por um ajudante de ordens de Velasco, com um sargento e quatro soldados, e na casa onde parou ao meio-dia, e pernoitou lhe deram um grande jantar.
Ao seguinte dia vieram cumprimentar ao mesmo tenente um clérigo, e dois oficiais sendo um destes mandado da parte do tenente-coronel D. João Manuel Gamarra [Juan Manuel Gamarra y Mendoza], mui acreditado, e estimado dos paraguaios, pelos quais é denominado o general Gamarra; pois confeção que a ele devem a defesa do seu país; em caminho chegaram mais três oficiais de artilharia, e no sítio da Recoleta onde principia a cidade começou ajuntar-se tanta gente no espaço de uma légua de marcha, que quando chegou o tenente Abreu à residência do governador Velasco se viu acompanhado por mais de 3000 pessoas de ambos os sexos: Velasco saiu à porta da rua onde se achava a sua guarda, e o recebeu com a maior alegria; e depois de conversar mais de duas horas, referindo os diversos ataques em que bateu, e venceu aos de Buenos Aires, asseverou que todo o seu empenho era pôr-se aos pés da sereníssima senhora Dona Carlota; pois que não reconhecia outro sucessor à coroa, e domínios de Espanha. O mesmo governador acompanhou ao tenente Abreu a um decente quarto destinado para o seu alojamento na mesma residência onde cearam.
No dia 10 disse Velasco ao tenente Abreu que seria muito conveniente que V. Exa. mandasse um destacamento de 200 homens de cavalaria para o outro lado do Uruguai, a fim de se conservarem entre o mesmo Uruguai, e o Paraná nos sítios de Curuzú Cuatiá [Curuçu-quatiá], e Corrientes para evitar a comunicação de Belgrano com as Missões, e Paraguai.
No dia 11 mandou Velasco convocar o cabildo, e o bispo, e se ajuntaram todos às 4 horas da tarde na sala da residência, onde estiveram mui satisfeitos até ás 11 horas da noite, e assentaram em responder a V. Exa. que ao sobredito destacamento de 200 homens daria V. Exa. as ordens que lhe parecesse, e que ao mencionado tenente-Coronel D. Fulgencio Yegros se determinava: que obedecesse, e seguisse as ordens de V. Exa., a quem se remetia a nomeação de governador de Missões do lado ocidental do Uruguai, para V. Exa. a confirmar na pessoa do mesmo tenente-coronel.
Nos seguintes dias 12, 13, e 14 enquanto o governador, Cabildo, e bispo escreviam a V. Exa. se ocupou o tenente Abreu em corresponder, e pagar infinitas visitas, que as principais pessoas lhe fizeram, tendo-o antes obsequiado com muitos presentes de doces, e um grande baile; a imitação do qual houveram [sic] outros, em sinal da aliança dos portugueses com os paraguaios. Havendo recebido as cartas sobreditas o tenente Abreu, e achando-se já pronto a partir na manhã do dia 15, sucedeu, que na noite do dia 14 pelas 8 horas saindo ele à rua, encontrou o tenente-coronel Gamarra com uma Clavina, e um par de Pistolas no cinto, acompanhado de um soldado armado da mesma forma, e um criado com um lampião: perguntou o mesmo tenente, que novidade havia, e respondeu Gamarra que ia a ver o governador; pois gritavam pelas ruas alvoroto en la Plasa. Voltou o tenente Abreu com o mesmo Gamarra à residência do Governador, a quem perguntando Gamarra, que novidade. havia, disse o governador: que ouvia dizer haver alvoroto; mas que não sabia o que hera. Pouco depois entrou um dos cabildantes dizendo: que a tropa (não excediam de 100 homens entre Granadeiros, e Artilheiros que faziam a guarda do governador) se havia fechado no quartel, e não abria a porta a ninguém, e trabalhavam dentro em montar peças de artilharia, e carregar espingardas. Disse então o governador a Gamarra: que fosse ver o que havia no quartel; a cuja porta batendo Gamarra perguntaram quem era: respondeu: que era Gamarra: disseram-lhe então de dentro: ─ perdone mi General, que no se abre agora la puerta: replicou Gamarra dizendo se o não conheciam e responderam, que sim, e se ele também era dos que pretendiam desarmar aos paraguaios: disse Gamarra que bem o conheciam, e que ele também era paraguaio; e não conseguindo se lhe abrisse a porta, voltou a dar parte ao governador.
Passado algum tempo mandou o mesmo Gamarra ao quartel um tenente paraguaio bem conhecido; o qual antes de chegar à porta lhe deram 1 tiro de clavina de uma das janelas, e voltou com esta notícia ao governador ; que perturbado, e aflito perguntou ao tenente Abreu o que lhe parecia semelhante desordem; ao que respondeu: que seria bom mandar cercar o quartel, não permitindo, que lhe entrasse, nem saísse, pessoa alguma até de manhã; em cujo tempo se insistissem em não abrir a porta, entregando-se os de dentro, se atacasse fogo ao mesmo quartel.
A este tempo chegou o major da praça Cabrera [no original, Cabrer] acompanhado de 8 soldados. com que andava de ronda, e se ofereceu para ir ao quartel; cuja porta não se lhe abrindo, disseram os soldados, que abrissem, pois eram paraguaios; então abriram a porta, e os mesmos soldados empurrando para dentro o major, e dando-lhe pranchadas, entraram todos e fecharam a porta, amarraram o major, e assim o conservaram toda a noite.
Mandou o governador o religioso Canhete mui respeitado e conhecido por suas virtudes, que fosse ao quartel afim de apaziguar aquela desordem; mas nada conseguiu o do religioso, tendo ido 3 vezes, até que da ultima lhe disseram: que se retirasse ao seu convento; pois não precisavam de mais práticas. Às 11 horas da noite chegou do quartel o alferes Iturbe [no original, Yturve; Vicente Ignacio Iturbe, 1786-1837] com 1 papel assinado por ele o capitão Caballero [no original, Cavalheiro; Pedro Juan Caballero, 1786-1821] autor desta revolução. e outro alferes irmão do 1°, no qual papel diziam ao Governador: que na manhã do seguinte dia 15 se lhes havia entregar as chaves do cabildo, dos cofres reais, da secretaria, e do estanque do tabaco; devendo logo separar-se da companhia do Governador o seu assessor e sobrinho D. Benedito, o ajudante de ordens D. José Theodoro, e o fiscal D. José Isalde; e que o tenente português Abreu não sairia da cidade, nem montaria a cavalo até segunda ordem. A isto respondeu o governador por escrito e ficou esperando o alferes Iturbe na guarda da porta, onde disse assaz enfadado: que não se precisava incomodar a Portugal; pois não careciam socorros: que os europeus haviam ficado na cidade, sem ajudarem com o seu dinheiro os pagamentos das tropas milicianas empregadas em defender a fronteira, e disseram que não tinham dinheiro, sendo certo, que no dia do ataque do Paraguarí [batalha a 19 de janeiro de 1811, vencida pelas forças do Paraguai contra um exército de Buenos Aires] correndo a noticia por um traidor, que os de Buenos Aires tinham vencido, embarcaram logo, os mesmo europeus 350$000 pesos fortes, a fim de os salvarem para Montevidéu: que os paraguaios depois de repelir, e afugentarem da sua fronteira aos de Buenos Aires, se deram os postos somente aos europeus, e ainda mesmo aos que ficaram na cidade, não sendo contemplados os paraguaios, tratando-os com desprezo, e pior que de antes, por último que intentavam desarmá-los, afim de ficarem só armados os europeus. Respondeu o ajudante de ordens D. José Teodoro, que é paraguaio, dizendo: que antes se tratava de armar maior número de paraguaios, que quanto ao dinheiro, bem se sabia que ele ajudante de ordens estava avisado para ir a Matogrosso a receber o dinheiro que o capitão-general de Cuiabá [no original, Cuyaba] tinha oferecido. A isto disse o alferes Iturbe que ele ajudante de ordens teria bom interesse naquela comissão; pois que além do soldo lhe davam bastante dinheiro para os gastos da viagem, assim como deram 600 pesos a D. Carlos que conduziu os prisioneiros a Montevidéu, e que a ele alferes, e aos demais não se davam semelhantes comissões; pois só serviam para trabalhar, e arriscar suas vidas, sem nada lhes pagarem, e tratando-os com desprezo: que não achavam para governar, e a quem dar tudo, se não aos europeus e por último: que havia dizer a verdade, ainda que o matassem. Despedido este alferes com a resposta do governador para o quartel, disse o mesmo Velasco ao tenente Abreu: que logo queimasse os ofícios, e respostas dele governador, do bispo, e do cabildo para V. Exa.; o que imediatamente praticou o mesmo tenente.
Cercado o quartel pelos europeus armados, fugiram, e desapareceram logo que sobre ele deram vários tiros de espingarda do mesmo quartel; do qual saindo os paraguaios em número de 80 ao romper do seguinte dia 15 puxaram para a praça seis peças de artilharia, das quais assestaram duas em frente da residência do governador, e as mais nas bocas das ruas, e ajuntando-se-lhes a este tempo grande número de paraguaios, mandaram do quartel pelo alferes Iturbe duas cartas ao governador, para que cumprisse as condições que na noite precedente se haviam requerido, e do contrário arrasariam a sua residência, e a mesma cidade: chegou a este tempo o bispo com vários eclesiásticos ao quartel, onde lhes disseram que nada era com ele e se recolhesse à sua casa: e o governador respondeu: que ajuntava o cabildo, afim de se proceder à entrega pretendida; a qual havendo-se demorado até as 8 horas da manhã, instaram os oficiais do quartel dizendo que se continuasse a demora mandavam dar fogo às peças: imediatamente mandou o governador entregar-lhes tudo quanto quiseram; depois do que içaram uma bandeira na praça, com salva de 21 tiros de artilharia, gritando todos Viva a união: uma hora depois botaram um bando feito no quartel, e mandado assignar pelo governador, para que todos os que tivessem em suas casas armas, e munições de Guerra, entregassem em duas horas no quartel, onde tudo se pagaria pelo seu justo valor; pena de não o fazendo assim serem castigados com todo o rigor.
Em consequência recolheu-se todo o armamento, que havia na cidade que pouco mais ou menos seriam 150 clavinas. Seguiu-se logo outro bando feito no quartel, e assinado pelo mesmo Velasco ordenando-se: que das 8 horas da noite por diante ninguém saísse de suas casas sem urgentíssima necessidade; em cujo caso levariam um lampião: e que as patrulhas, que giravam pelas ruas, prenderiam a todas as pessoas, que se achassem conversando, sendo mais de duas. Ao pôr o sol arrearam a bandeira, e deram 9 tiros de peça. No dia 16 se recolheu a artilharia ao pátio do quartel, ficando as bocas das ruas com guardas de 8 homens; e sendo apresentados vario requerimentos aos três oficiais do quartel, responderam: que nada podiam deliberar sem que chegassem os dois deputados, que eram os Doutores Francia [no original, França; José Gaspar García y Rodríguez de Francia Velasco y Yegros (1766-1840)], e Zebalhos [no original, Cebalhos; Juan Valeriano de Zeballos] (ambos paraguaios) e os oficiais da Plana-maior, que haviam mandado chamar: os quais eram o Coronel Gracio o tenente-coronel Cavañez, e o tenente-coronel D. Fulgencio Yegros, a quem haviam nomear por seu governador.
O tenente Abreu dirigindo-se logo na manhã deste dia ao quartel afim de saber o motivo da sua demora, ou impedimento, lhe respondeu o capitão Caballero: que pedisse tudo quanto precisasse; mas que não hera conveniente, que saísse fora da cidade, antes da chegada dos ditos oficiais da Plana-maior: e nesta ocasião lhe disse aquele capitão: que tendo quatro irmãos oficiais empregados no Real Serviço, e indo sua mãe viúva pedir ao governador Velasco hum dos ditos filhos para sua companhia, não lhe concedera: e que expondo ele capitão ao mesmo Velasco, que seu pai tendo feito a grande picada, e ponte de Taquary, pela qual atacaram, e venceram aos de Buenos Aires, morrera repentinamente naquele trabalho, ficando empenhado, e que por isso pedia se lhe permitisse embarcar uma porção de tabaco, e erva-mate para Montevidéu, pagando os fretes competentes; não se lhe concedeu esta pretensão, e só embarcaram os europeus os seus efeitos; ficando excluídos deste recurso os paraguaios, e que por estas e outras rezões os de Buenos Ayres procuravam a sua liberdade.
No dia 17 chamaram ao quartel o tenente-coronel Gamarra, e lho propuseram: que entrasse na sua junta; pois muito precisavam dele: respondeu Gamarra: que estava pronto, com a condição porem, de não ser nunca contra o seu soberano, nem contra a religião, nem sujeitar-se à Junta de Buenos Ayres; pois não queria botar um borrão na glória, que havia adquirido nos memoráveis ataques do Paraguai [erro de transcrição; refere-se, provavelmente, à batalha de Paraguarí, referida anteriormente], e Tacuarí [batalha a 9 de março de 1811, que resultou na derrota e retirada do exército portenho liderado por Manuel Belgrano], contra os de Buenos Aires; não agradando esta resposta, mandaram que se retirasse Gamarra. Pela uma hora da noite deste dia se prenderão todos os comandantes, e marinheiros europeus dos barcos armados em Guerra, que se achavam no Paraná junto a Corrientes, Nhembocú [?], e Candelaria.
No dia 18 mandaram prender o tenente-coronel Gamarra, e ao capitão ajudante de ordens D. José Teodoro, ambos incomunicáveis, e se dizia pelas ruas que haviam enforcar ao tenente português Abreu, e aos dois portugueses que o acompanhavam, a fim de não trazerem noticias.
No dia 19 também se dizia, e avisaram ao tenente Abreu, que o queriam remeter, e aos seus companheiros presos em grilhões para Buenos Ayres: e no quartel se ordenou: que os oficiais europeus assim de tropa de linha, como milicianos tirassem as divisas de oficiais.
No dia 20 foi segunda vez o tenente Abreu ao quartel, onde se achavam os sobreditos deputados, e muitos oficiais, que haviam chegado de diversos distritos; e propôs: que ou o mandassem matar como diziam, ou o remetessem preso a Buenos, ou o deixassem // regressar ao seu destino, afim de dar conta da sua comissão a V. Exa., ou lhe permitissem dar parte do motivo da sua demora; e que quanto antes decidissem da sua sorte: respondeu o referido capitão Caballero; que não se afligisse; pois no seguinte dia sem falta entrava na cidade o novo governador D. Fulgencio Yegros, que já se achava na Recoleta 1 légua distante.
No dia 21 partiu muita Tropa, e gente, de todas as classes para a Recoleta, a fim, de receber o novo governador Yegros; o qual pelas quatro horas da tarde entrou com grande acompanhamento na cidade, que salvou com onze tiros de peça, e o conduziram ao quartel onde depois de se apear foram logo os dois deputados mencionados, o capitão Caballero, e os dois alferes da revolução visitar ao tenente Abreu, com o qual se desculparam de o não ter antes cumprimentado por satisfação ao povo, que dizia ter ele ido a comprar o Paraguai. Concluída a dita visita, foi logo o tenente Abreu ao quartel a cumprimentar o novo governador Yegros, que o recebeu com muitos abraços, por ser seu conhecido, e lhe prometeu: que no dia 23 se retiraria livremente com a resposta a V. Exa.
No dia 22 houve no quartel missa cantada, e Te Deum laudamos pela feliz chegada do dito governador Yegros.
No dia 23 indo o tenente Abreu ao quartel para lhe entregarem a resposta, disseram: que a fosse receber do governador Velasco; o qual entre os dois deputados Francia, e Zeballos entregou a carta, ou resposta; e os mesmos deputados pediram ao tenente Abreu os pusesse aos pés de V. Exa., dizendo: que nenhuma novidade lhe causasse aqueles acontecimentos; pois que só eram tendentes a regular melhor o seu governo.
Passou o tenente Abreu a despedir-se do governador Yegros, a quem devia o seu regresso, e dos oficiais do quartel, aonde pediu licença para se despedir dos dois presos o tenente-coronel Gamarra, e o ajudante de ordens D. José Teodoro, o que lhe concederam indo acompanhado de um oficial, para o qual olhando o tenente-coronel Gamarra disse; que não lhe parecesse que ele receava, ou tinha medo da morte; pois que muitas vezes tinha arriscado a sua vida, e virando-se para o tenente Abreu lhe pediu o pusesse na presença de V. Exa., e que primeiro teria a notícia de o haverem assassinado, que deixar de ser fiel ao seu rei, e sucessores ; pois que jamais obedeceria à Junta de Buenos Ayres. O ajudante de ordens despedindo-se também pediu que o recomendasse a V. Exa., certificando-lhe, que ele se achava preso sem outro delito, que o de ser ajudante de ordens de Velasco; por ordem do qual estava pronto a vir à presença de V. Exa, a não haver acontecido aquela revolução. Ultimamente foi o tenente Abreu despedir-se do governador Velasco; o qual chorando deu-lhe muitos abraços, e com as expressões mais enternecidas pediu; que o pusesse aos pés de V. Exa., rogando, que lhe valesse, e atendesse a sua vida; pois que as suas intenções somente consistiam em pôr-se aos pés da senhora D. Carlota, como legítima sucessora do senhor D. Fernando VII: que V. Exa. pusesse os olhos sobre aquela província, ainda que ele Velasco não existisse; e que os papéis que conduzia o tenente Abreu bem sabia este que ele fora obrigado a assinar, assim como outros muitos, e que ele tenente seria algum dia uma das testemunhas, que as suas assinaturas desde aquela revolução foram sempre forçadas.
Principiando a sua retirada o tenente Abreu, despediu-se de outras muitas pessoas; as quais lhe rogaram, e principalmente os europeus; que os recomendasse à proteção de V. Exa., em quem tinham toda a confiança, e lhes valesse, para o que contasse V. Ex.ª com todos os seus cabedais, e q não escreviam com o reto de serem apanhadas as suas cartas pelas guardas que se haviam posto nos caminhos; as quais encontrou com efeito o mesmo tenente, que contou sete ate o Paraná não sendo nenhuma delas de menos de 30 homens.
Diz o tenente Abreu, que quando passou por Itapúa, onde se achava o tenente-coronel Yegros, nomeado hoje governador, lhe mostrava este um papel, ou Gazeta de Buenos Ayres, sobre a antipatia entre os europeus, e americanos, e que no dia em que chegou a Assunção, o mesmo governador Yegros a quem ele tenente fora logo visitar, lhe preguntara se estava certo naquele papel, e respondendo: que sim, disse então Yegros; pois agora lhe mostrarei outro melhor, e tirando-o da algibeira leu, e dizia «Eia honrados paraguaios, sustentai o que tendes feito, que não faltaremos com todos os socorros de dinheiro, armas, pólvora, bala; agora florescerão os americanos livres da opressão dos europeus...»
Refere o mesmo tenente Abreu que ao terceiro dia depois da revolução do Paraguai, achando-se o alferes Iturbe em casa de uma mulher, e perguntando esta com que intenção havia feito semelhante atentado, não tendo pólvora, nem armas com que se defenderem dos portugueses se lá fossem, respondera o mesmo alferes, a quem fizeram major da praça: que nada lhes faltaria; pois brevemente esperavam todos os socorros de dinheiro, pólvora, e bala, de Buenos Ayres como terra.
Concluo certificando a V. Exa. de haver eu recebido o seu ofício de 10 do corrente mês, em resposta ao meu de 30 do mês passado. Deus guarde. a V. Exa. muitos anos, como desejo.
Povo de S. Borja 7 de junho de 1811. Ilmo. e Exmo. Sor. D. Diogo de Souza. De V. Exa. o mais obediente súbdito. Francisco das Chagas Santos»
Fonte
Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, n.º 4, outubro de 1921, Porto Alegre, Oficinas Gráficas de A Federação. pp. 67-81
sábado, 16 de março de 2024
Memória de José de Abreu Campos, sobre tudo o que se passou enquanto serviu de Juiz do Povo, em 1808
DOCUMENTO 44
I-29, 16, 45
CAMPOS, José de Abreu. Memória de José de Abreu Campos, sobre tudo o
que se passou enquanto serviu de Juiz do Povo, em 1808. [S.l.], [s.d.]. 54 p.
Cóp. Ms.
Cat. Linhares n.º 171.
Coleção Linhares.
Memória de tudo o que se passou enquanto no tempo em que servi de Juiz do Povo em 1808.
Em o dia 24 de
fevereiro de 1808, estando na Praça do Comércio do meio dia para a uma hora, chegou-se
a mim Francisco de Mendonça Arrais [d]e Mello [Procurador
da cidade], que serve de escrivão da Câmara e disse-me agora acabo de
passar as ordens necessárias para fosse tomar parte do lugar de Juiz do Povo,
em consequência da moléstia do atual, e estimo encontrá-lo para lho intimar; propus-lhe
todos os inconvenientes que tinha para não servir semelhante lugar, respondeu-me
que a lei me obrigava, e que por força o havia de ser, pois assim o determinava
o General em Chefe: Chegando a casa achei a cópia do aviso que consta do documento
n.º 1, e carta de ofício n.º 2.
Em o dia 25
pelas nove horas da manhã apareceu em minha casa o Escrivão do Povo Alexandre António
Duarte, com o contínuo da Casa dos Vinte e Quatro Felisberto Manuel Rodrigues,
e com um grande maço de papéis fechados, e uma carta do Juiz do Povo Manuel António
de Figueiredo, o que consta do documento n.º 1, e depois de eu ler a dita carta,
disse-me o escrivão que, de ordem do seu juiz me vinha entregar aquele maço de
papéis, ao que respondi não tomava conta deles porque andava em diligência de
me dispensarem do lugar, e com esta resposta levou o maço dos papéis, e [2] foi-se embora.
Em o dia 26
pelas duas horas recebi uma Portaria do Senado na qual me determinava que no
dia 27 fosse a Casa dos Vinte e Quatro tomar posse dos papéis e vara como do documento
n.º 4, vendo isto passei a casa do conde de Novion [João Victor,
comandante da guarda real de polícia] e pedi-lhe me fizesse obséquio de falar
ao general para me dispensar do lugar para que tinha sido nomeado respondeu-me
que isso não fazia ele porque acabava de informar as minhas boas qualidades ao general
Junot; e passou este mau homem a dizer-me que eu passava a ser Juiz do Povo
debaixo de um governo de energia, e capaz, e que não era o governo podre que
tinha acabado, não foi preciso mais nada para eu me retirar, e nunca mais procurá-lo,
lembrado da ingratidão que ele praticava contra quem o tinha feito gente.
Em o dia 27
pela manhã no Senado disseram-me que o tribunal mandava deitar as armas reais
abaixo, em consequência da ordem do General em Chefe, respondi que enquanto não
tivesse uma muito positiva para isso certamente o não faria, esta resposta foi
dada diante do escrivão da Câmara, oficial maior, e alguns dos procuradores dos
mesteres; passado poucas horas recebi uma carta do oficial maior dizendo que o senhor
Guião decidia que deitasse as armas abaixo da minha vara, como se vê [3] do documento n.º 5; isto a tempo que eu estava
para ir a Casa dos Vinte e quatro tomar a posse, fui primeiramente a casa de Francisco
António Herman, e falando-lhe disse que eu era o novo Juiz do Povo que ia
tomar posse do lugar em consequência do aviso expedido por ele, de ordem do
General em Chefe, e como S. Ex.ª tinha determinado deitar abaixo as armas da nação,
e estas condecoravam a Insígnia do meu lugar, e no outro dia me devia apresentar
ao General em Chefe, que me determinasse como devia ir, e fazendo uma pequena pausa
respondeu-me que usasse da minha insígnia como estava em todas as funções do
meu ministério, mas quando fosse ao general Junot que não levasse vara, e que
ele daria parte do motivo por que eu a não levava, retirando-me fui para a Casa
dos Vinte e Quatro e aí achei todos menos o juiz dispensado, e me foi apresentado
o dito maço de papeis, a vara, e uma carta de oficio à Casa dos Vinte e Quatro
como do documento n.º 6, e abrindo o dito maço de papeis achei a portaria n.º 7
e os mapas n.º 8 e n.º 9, e feito o auto de posse, todos igualmente deram
provas de satisfação que tinham de eu tomar aquele lugar, e a mim tão pouca me
acompanhava.
No dia 28
pelas nove horas fui a casa do general Junot com o meu escrivão mas sem vara na
forma de insinuação, e dando parte quem [4] era
veio logo o dito General e depois de nos cumprimentarmos disse ele que se tinha
deliberado a confirmar a nomeação que o Senado tinha feito pelas boas informações
q de mim tinha, e do muito que me amava o Povo, isto talvez para me por a sua
fação, eu, lançando mão de tantos obséquios, disse-lhe que as circunstâncias
do Povo eram as mais tristes que se podiam imaginar, pois estavam sem meios
alguns de subsistir e se S. Ex.ª me dava licença eu tinha que por na sua presença
uma representação a respeito da contribuição, para o que esperava que S. Ex.ª
me nomeasse dia, e hora para lha entregar, e Casa dos Vinte e Quatro me
acompanharia a esse fim, determinou o dia três de Março disse-lhe que S. Ex,ª
não devia reparar o eu ir sem a insígnia do meu lugar, porque em consequência
das ordens que tinha havido para retirarem as armas da nação, e a minha insígnia
as tinha, havia recorrido ao senhor Herman para me dar as instruções necessárias
a este fim, ele o tinha assim determinado, e que daria parte a S. Ex.ª, respondeu-me
que se deliberaria o que havia de ser. Dali passei a casa do conselheiro Guião
[João José de Faria da Costa Abreu Guião?], intitulado vice-presidente do
Senado, a dar-lhe parte do que tinha passado contra a Ordem que tinha recebido
do oficial maior da secretaria do Senado sobre mandar-me deitar as armas
abaixo, respondeu-me esta bem, disse-lhe [5] que
o general me tinha tratado muito bem, e em consequência eu tinha aproveitado a ocasião,
e contei-lhe tudo o que tinha passado a respeito da representação, ao que me
respondeu está bem. Dali fui a casa de Pedro de Mello Breyner o qual não
achei em casa. Dirigi-me a casa do conde de Sampaio, a quem falei e me
expressou os sentimentos de humiliação, que todos deveríamos ter, até que a providência
se lembrasse de nós. Fui a casa do principal Castro com quem estive, e me
recomendou muito sossego e moderação pois as circunstâncias assim o exigiam. Eu
que chego a casa desta digressão imediatamente recebo a carta de Guião, como do
Documento n.º 10.
Em o dia 3 de março
pelas dez horas da manhã ajuntei-me com os deputados da Casa e fomos ao general
Junot. Este nos veio falar, e eu lhe entreguei a representação n.º 11 na presença
de toda a casa, respondeu-me que a entrada de um exército, e a sua sustentação,
era muito dispendiosa, que ele já tinha feito os seus ofícios para o imperador,
e à vista daquela representação novamente o tornava a fazer, e que ele esperava
que S. M. I. e R. a modificasse em parte, que no todo não podia ser, e disse
mais que ele se achava muito agradecido ao Povo pelo sossego que tinha tido no
Carnaval, e terem obedecido ao seu Edital, e nos acompanhou até a porta. Persuadiu-se
este homem que era obediência aos [6] editais o sossego
do povo, quando isto nascia da desgraça em que todos se achavam em uma
escravidão, e ausentes do seu soberano.
No dia 4 fui
ao Senado apresentar-me, e levar uma cópia da representação que tinha entregado
a Junot como do n.º 11, e ali fui repreendido pelo conselheiro Guião no mesmo tribunal
por ter dado ao general a representação fazendo tudo contra a carta que ele me
tinha mandado, que eu tinha sido muito altanado
quando tinha estado da outra vez no lugar por culpa do príncipe, isto era
rancor antigo que este homem me tinha porque em primeiro lugar não há assento
na Casa dos Vinte e Quatro que obrigue o Juiz do Povo a dar parte no Senado dos
requerimentos, ou representações, que dirija ao trono em benefício público, e
muitas vezes pelas torturas que o mesmo Senado faz ao povo, como seria possível
chegar a verdade a presença do soberano, se se consentisse semelhante freio,
mas o rancor deste tribunal contra mim vem do príncipe me encarregar do arranjo
que eu fiz para a sustentação da Guarda Real da Policia, e outras coisas mais,
e depois de eu responder aos insultos que me disse, entreguei a representação
n.º 12 para me saber entender com a portaria porque a achei bastantemente confusa,
e disse-me que me mandariam a resposta. [7]
Em o dia 5
recebi a carta de ofício n.º 13, e fiquei mais descansado para não viver
entalado.
Em o dia 9
recebi a carta de ofício n.º 14 para a coleta dos ofícios que se lembraram não
vinham no mapa.
No dia 10 principiou-se
a contribuição na sala da espera da Casa dos Vinte e Quatro, com sentinelas francesas
à porta para haver sossego, eu tive a honra de que o meu assento e do meu escrivão,
publicamente fosse por baixo do retrato de S. A. R. e seus augustos
antecessores os quadros que ornavam a sala, e os reposteiros das portas tiveram
sempre as armas reais.
Em o dia 14
fiz o ofício para ver se modificava a contribuição dos ofícios como do n.º 15, respondeu-se-me
como do ofício n.º 16, e em consequência tornei a mandar chamar os juízes dos ofícios,
e mandei fazer novas derramas, excluindo alguns das relações, e que
Modificassem no
todo e com efeito no todo dos ofícios se fez o abatimento demais de sete contos
de reis.
Em o dia 26
recebi participação como do n.º 17.
Em o dia 2 de abril
cheio de compunção de tanta desgraça que via sem poder remediar porque do
Senado vinha uma relação de cada bairro, ruas, e o número [8] da porta, o nome do indivíduo, para eu coletar na
forma das instruções, fiz o ofício a favor das mulheres da Ribeira, e lugares
do sal, veio a portaria como se desejava, e se vê do n.º 18.
Em o dia 4
recebo a copia do aviso do General em Chefe, como do n.º 19, e a Portaria do
Senado n.º 20 a obrigar-me a fazer o que aminha vontade não pedia, e alem disto
continuamente estava a receber recados a apressar-me com a contribuição pois
era preciso que entrasse dinheiro no cofre: estes recados trazia o procurador
dos místeres, Francisco Monteiro Pinto, que era o que vinha da parte do tribunal
tomar sentido no que se fazia e apreçar, disto eram testemunhas o meu escrivão,
os escriturários João Baptista Abondano, José Pedro Azedo, Joaquim José Pereira
Pitta, Manoel Lázaro Tavares, Luiz Inácio, e o contínuo Felisberto Manuel
Rodrigues, trabalhando todos os dias desde as nove horas da manhã, até as dez,
e onze da noite e isto por uns poucos de meses.
Em o dia 27
recebi a ordem para remeter a relação do que eu tinha coletado aos ofícios, o
que fiz como se vê do n.º 21.
Em o dia 28
remeti para o Senado a relação n.º 22.
Em o dia 30 mandou-me
chamar [9] por um oficial militar Pedro Lagarde
para me achar as dez horas nas casas da Intendência, o que fiz pela primeira
vez, e aparecendo o língua Jorge Escarniche [Scarnichia?]
disse-me que o senhor Intendente se admirava de eu o não ter ido procurar, respondi-lhe
que as obrigações a que me achava ligado a respeito da contribuição de guerra
me não dava lugar para poder cumprimentar pessoa alguma, e disse-me que queria
lhe desse uma relação de todos os acontecimentos da cidade por semana, respondi-lhe
que o lugar que eu ocupava não tinha a meu cargo semelhante obrigação mas só
sim representar as necessidades públicas, disse-me que queria fosse falar com
ele todos os domingos que era dia em que não havia contribuição para o informar
de tudo que o povo necessitava, respondi-lhe que era preciso abrir as obras públicas
a fim de dar de comer aos desgraçados, pois não tinham meios, nem com que matar
a fome, que os acometia, respondeu-me por agora não se pode cuidar nisso, a seu
tempo, e retirei-me.
Em o 8 de Maio
fui a casa do Intendente na forma da ordem, e vindo com o dito língua perguntou-me
que havia de novo, disse-lhe que muita falta de pão, e que me constava morria
gente de fome, respondeu-me que todas as providências estavam dadas para haver
abundância, e perguntou-me novamente se o povo tinha entregado todas as armas
que ele tinha mandado entregar, respondi-lhe que tudo estava entregue, que o povo
português era um povo muito obediente a qualquer ordem, e que podia estar
seguro que o povo tinha entregado todas as suas armas, e com isto ficou muito
satisfeito, e dizendo-me que me era muito afeto, e que esperava eu não faltasse
ali todos os domingos como me tinha dito, e disse mais que lhe constava eu
trazia ainda as armas reais na minha vara e que logo devia tirá-las, respondi-lhe
com o que tinha passado com o Herman em 27 de Fevereiro e como isto era um
engano em que eles estavam porque aquelas armas eram da nação, disse-me que
como a casa real usava delas deveriam logo ser tiradas e que deveria ser
suprida pela águia, disse-lhe que me parecia impróprio, porque todas as nações tinham
o seu distintivo, que estava persuadido que a Itália sendo governada pelo imperador
teria diverso estandarte, respondeu-me que não deviam existir, propus-lhe que
como o governo determinava que não deviam existir estas armas, então que tínhamos
outras de que usar, e sempre ficava distinguindo-se a nação, disse-me qual era,
respondi-lhe as armas da cidade, perguntou-me como eram, disse-lhe que era um navio,
determinou-me que as pusesse logo, que ele o mandava, respondi-lhe que tudo
tinha formalidade; e todo o meu trabalho era não pôr a Águia, e embaraçar este
passo.
Em o dia 16
recebi um aviso do Senado para me achar no dia 17 do meio-dia para a meia hora
no tribunal de capa e volta (p11), e o meu escrivão para acompanhar a presença
do general como se vê do Documento n.º 23.
Em o dia 17
fui para o Senado com o meu escrivão na conformidade do aviso recebido, donde
achei quase todos os membros daquele tribunal, e logo que deu uma hora mandaram-se
chegar as seges, e todas seguidas fomos para o quartel general e entrando nas salas
era uma multidão de gente de todas as classes, e estados, que não se podiam
conhecer, depois disto apareceu Pedro de Mello Breyner, que nesta ocasião fez
de mestre de cerimónias, e chegou aporta que dividia a sala grande, da sala de
entrada e chamou pelo Senado da Câmara o fez entrar para a sala grande, e logo apareceu
o general Junot precedido de todos os conselheiros do governo tanto franceses,
como portugueses, e logo se chegou o principal Deão e leu a sua oração, e
acabada, seguiu-se o conde da Ega, depois continuou o conselheiro João José de
Faria das Costa Abreu Guião, e seguiu-se o Chanceler Mor do Reino Manuel Nicolau
Esteves Negrão, acabado levantou a voz o general Junot e fez a sua oração em francês,
finalizada principiou [12] por entre todos a conversar
com algumas pessoas, e com isto se concluiu este grande cortejo.
Em o dia 21
recebi do conselheiro João José de Faria das Costa Abreu Guião, um aviso para
eu me achar na Junta dos Três Estados, e o meu escrivão, e lá me comunicaria o
que tinha de ordem superior a dizer-me, como se vê do documento n.º 24.
Em o dia 22
pelas sete horas da manhã recebi hum recado do desembargador Francisco Duarte
Coelho, que tinha negócio de muita ponderação que tratar comigo, e que quando eu
fosse para a missa passasse por sua casa, às dez horas quando saí fui por lá
mandou-me dizer que estava à missa que esperasse um bocado, respondi que eu também
ia à missa que à vinda falaríamos o que fiz, e mandando-me entrar para a sua
livraria estava com ele Timóteo Verdier [Timóteo Lecussan Verdier], e
logo se ajuntaram o desembargador Filipe Ferreira de Araújo e Castro, e um bacharel
chamado Fulano Moira (p12), e principiaram
a dizer-me que na minha mão estava a felicidade da nação, que esta tinha
perdido a ocasião de melhorar no tempo da aclamação do senhor rei D. João
Quarto, e como agora se oferecia esta ocasião era preciso aproveitá-la, para o
que eles tinham arranjado um papel para me servir de guia a eu felicitar uma nação
por quem eu representava, para o que eles me mandariam uma cópia em limpo, e então
soube que no outro dia era eu chamado para dar o meu voto sobre o pedir um novo
rei, e que de tarde mo mandariam, fiquei imediatamente perturbado, e vindo
procurar o meu letrado não achei em casa, de tarde mandou-me chamar a sua casa
Timóteo Verdier, o que fiz e achei lá o dito desembargador Filipe Ferreira, e mais
um Macedinho, filho de Agostinho José de Macedo, Professor de Filosofia, que me
dizem foi secretário da legação de D. Lourenço de Lima, na embaixada de França
e me disseram que não tinham tido tempo de ter posto o papel a limpo o que
fariam, e a toda a hora que estivesse pronto mo trariam a minha casa, e retirei-me
desconfiado disto, neste mesmo dia pela meia noite apareceu-me em minha casa o
dito desembargador Filipe, e mais o tal Macedinho com três papéis dois em português,
e um em francês, e me disseram era igual aos dois, e me pediam muito que olhasse
que deles provinha a felicidade da nação, e se retirarão, sendo o da cópia n.º
25.
Em o dia 23
pelas onze horas na conformidade do aviso recebido fomos para a Junta dos Três
Estados e ao entrar da porta do tribunal disse-me o conselheiro Guião que não
entrasse com a vara que a deixasse ficar de fora [14]
(Persuado-me que foi por terem ainda as armas reais, porque nos dias seguintes
em que foram os ministros, e procurador da cidade entraram com elas e não se
lhe disse nada) e entrando achei na mesa na parte esquerda o conde de Ega, o conde
de Almada, o conde de Castro Marim filho, o conde de Peniche, D. Francisco
Xavier de Noronha, o desembargador do Paço José António Pereira Leite, e pela
parte direita o principal Miranda, o principal Noronha, o chanceler da Relação
Lucas de Seabra da Silva, o conselheiro vice presidente do Senado João José de
Faria da Costa Abreu Guião, o conselheiro do mesmo tribunal Luís Coelho
Ferreira do Vale, o juiz do povo José de Abreu Campos, e o seu escrivão
Alexandre António Duarte, e no topo da mesa Isidoro José Botto Moniz da Silva,
que servia de secretário da mesma, e logo principiou o conde da Ega dizendo que
tínhamos sido ali chamados para assinar o voto geral da nação em consequência
da graça que nos queria fazer S. M. I. e R. de ouvir os nossos desejos, e
sentimentos, e lendo a carta que diziam tinha mandado a deputação, e rompendo imediatamente
com a sua oração, e voto que em suma dizia que as nossas circunstâncias exigiam
um soberano e que desejavam fosse imediatamente S. M. I. e R. [15] dando-nos a sorte de Itália, e quando as nossas
circunstâncias geográficas o não permitissem nos desse um príncipe de suas
escolha que nos conservasse nossas leis, nossos privilégios, nossa religião.
& e perguntando o dito conde pelas suas graduações todos responderam conforme
entenderam e perguntando o dito conde o meu parecer, imediatamente disse o conselheiro
Guião está conforme, ao que respondi que tinha de propor, e disse senhores que
poderei eu dizer sendo um homem leigo e falto de todos os conhecimentos perante
uma assembleia tão respeitável, e tão iluminada como são V. Ex.as e Senhorias,
e muito menos não vindo eu preparado para este fim, porém direi que eu não tomo
sobre mim o peso de decidir pelo meu voto a sorte de uma nação inteira para o
futuro sem que primeiro esta seja ouvida nas pessoas de seus procuradores que
são os deputados da Casa dos Vinte e quatro e sendo-lhe este negócio
comunicado, e ouvindo os seus pareceres, a isto respondeu o conselheiro Guião
que o negócio de que se tratava não devia ser comunicado, mas sim ali decidido,
ao que respondi se a causa é geral parece que todos devem ser ouvidos, e se é particular
então seja decidida por V. Ex.as, e Senhorias como bem lhe parecer, mas se o
meu voto seja necessário para solenizar esta ação torno a dizer que não decido
sem que primeiro seja ouvida a Casa dos Vinte e Quatro [16]
nas pessoas dos seus vogais, e não ser preciso o meu voto então nada tenho a dizer,
disse o conde de Ega que o voto geral da nação era aquele que se acabava de
publicar, a isto respondi como pode isso ser se ontem à meia noite foram a
minha casa diversas pessoas, e me entregaram estes papéis, e puxando por eles
peguei em o que era na língua portuguesa, disse-me o conselheiro Guião que lho
desse para ele ler, ao que eu respondi que também o sabia ler, era o papel n.º
25 que lancei mão dele para mostrar que aquele não era, nem podia ser o voto
geral da nação porque este papel é em tudo diferente do que V. Ex.ª diz é o voto
geral da nação, e demais eu não adoto a maior parte do que ele contém, porque
os meus sentimentos são muito diferentes, e da maior parte da nação,
principalmente do povo de que eu sou juiz cujos sentimentos não são outros que não
sejam ver aqui o seu antigo soberano, disseram alguns da mesa que tinham tido
daqueles papéis em carta fechada, e disse mais o dito conde que aquele papel
não admitia votos separados somente se devia assinar e demais que eu estava
vencido em votos e que um voto só nada valia uma vez que todos estavam conformes
(tal era o terror que ele tinha infundido no coração de todos) a isto respondi
que queria que o meu voto fosse [17] separado,
ainda que fosse um despropósito à vista do que tão sabiamente estava decidido,
e sem mais nada assentaram de quem se havia encarregar da fatura do Voto geral
ficando os quatro que tinham levado as suas orações em o dia 17 de Maio no
cumprimento dos Tribunais, e Grande do Reino, que foi o Conde da Ega, o
Chanceler Mor do Reino, o Vice Presidente do Senado o Conselheiro Guião, e
ajuntaram-se em casa do Principal Miranda para todos quatro concordarem sobre
algumas pequenas dúvidas que alguns deles tiveram, e ficámos avisados para no
dia 25 pelas onze horas ali nos acharmos para se aprovar, e assinar, e depois
pediu-me o Conde da Ega se confiava dele aquele Papel que me tinham entregado
em (um?) Francês, dei-lho imediatamente nos retirámos todos, dali daí para casa
do meu Letrado a dar-lhe parte do que me tinha sucedido, e pedindo-lhe me
fizesse um Voto para eu apresentar na Junta no dia para que ficámos avisados
debaixo de todos os sentimentos de fidelidade, na tarde mandou-me chamar o
desembargador Francisco Duarte Coelho que quando saísse fosse por sua casa o
que fiz e achei todos os do dia antecedente e disseram-me tudo quanto se tinha
passado dizendo-me que tinha-me portado como homem de bem opondo-me às
proposições do Conde da Ega, perguntei quem o tinha feito ciente de tanta
coisa, disse o desembargador Felipe Ferreira que tinha sido o [18] conde de Peniche com quem tinha estado, e
principiaram-me a persuadir que não perdesse de vista as instruções que ele me
tinha levado pois dela se cogitava a felicidade da Nação, e saindo todos
perguntaram para onde ia respondi para a Casa do Vinte e quatro, para a Contribuição
disseram-me que fosse com eles por casa de Carrion de Nizas que me
queria falar disseram-me que ele estava a dormir e nisto levaram até à noite, e
por fim apareceu o dito Nizar e principiaram a falar em francês de que eu nada
entendi e por fim conheci que eles pretendiam entreter-me para não falar com
pessoa alguma porque por várias vezes me perguntaram se tinha falado ao meu
letrado, a que sempre lhe respondi que não, porque eu não o queria comprometer,
e outra porque não queria que eles conhecessem os meus sentimentos por isso lho
neguei e a finado/final retirei-me eles ainda ficaram: pela meia hora depois da
meia noite recebi um aviso do conselheiro Guião como se vê do n.º 26 em
contrário ao que se tinha determinado dizendo que no dia 24 nos devíamos
ajuntar para acelerar os votos e subirem à presença de S. M. I. e R., não pude
sossegar um instante porque tudo o que tinha tratado com o meu letrado de me
fazer o voto no outro dia estava transtornado por ser aquela hora e eu não lho
poder comunicar.
Em o dia 24
pelas cinco horas da manhã indo a sair para casa [19]
do letrado ao abrir da porta vejo uma carta por baixo da porta pego nela vejo
que era para mim, abro-a acho uma letra desconhecida fechada com obreia preta,
continha o ameaço da minha vida caso assinasse algum papel, inquieto o meu
espírito com isto parto imediatamente àquela mesma hora para casa do
conselheiro Guião e mandei-lhe recado que se levantasse que me era preciso logo
falar-lhe apresentei-lhe a carta e disse-lhe que eu queria imediatamente a
minha demissão porque eu não tornava à Junta dos Três estados, respondeu-me que
fosse que tudo se havia remediar em bem que não desse algum passo para a minha
infelicidade, e que se eu queria a minha demissão que falasse ao General em
Chefe e que me pedia muito não faltasse e saindo vindo eu ao pé do Colégio dos
Nobres encontrei o que administra a minha fábrica Mathias dos Santos e disse-me
(…) vinha em sua procura porque está lá
um ajudante do general Junot em sua procura e está esperando que chegue, venho
a casa intima-me uma ordem do general para às nove horas me achar no seu
quartel, vesti-me e fui e mandei recado que estava ali às ordens de S. Ex.ª
mandou-me dizer que esperasse e nisto tive até às onze horas quando apareceu o
dito Junot, e lavando-me para a sala grande perguntou-me se eu falava francês,
disse-lhe que não, e principiando a falar em português disse-me que tendo em
tão bons créditos lhe parecia impossível andar associado com cabeças
revolucionárias e inquietadoras [20] duvidando cumprir
com o que tão justamente se fazia, respondi-lhe que S. Ex.ª estava mal
informado porque eu não merecia o nome revolucionário o que muito estranhava,
que o meu lugar era de representação que não era como particular, e demais eu
não podia assinar contra a vontade daqueles por quem representava, mal lhe
disse isto puxou pelo papel em francês que tinha pedido o Conde da Ega, e
principiando a gritar e com palavras injuriosas perguntou-me quem me tinha dado
aquele papel, respondi-lhe que não sabia a este tempo já eu estava desacordado
disse-me ele que este papel é feito por Verdier, a que eu nada disse, e cheio
de cólera novamente principiou a insultar-me e eu respondi-lhe, a isto oiço uma
vez por detrás de mim, dá licença que chegue, e olhando eu para ali vi que era
José de Seabra da Silva (a quem neste momento me parece devo a vida) e disse-me
vossa Mercê conhece-me, respondi muito bem, e voltando-se para Junot disse este
homem é de honra, e de verdade, e o que ele disser é assim, eu não o conheço,
mas tenho dele boas informações e conheci a sua família, e virando para mim
disse, todos nós somos portugueses, eu sou português, V. M.ce é português, e
aqui o amigo também o é, a que respondeu Junot, já muito brando certamente eu
já estou condecorado em Portugal, e disse-me Junot são horas de sair para a
Junta dos Três Estados, vá e espero que não tenha mais dúvidas, a isto lhe [21] apresentei a carta anónima que tinha recebido, e
lendo-a mais o Seabra, disse-me Junot que daquelas tinha mais de cem, e que até
agora tinha a sua cabeça sã, e que não fizesse caso dela, que quando tivesse
mais alguma que fizesse impressão que fosse ter com ele, que me tiraria da cabeça,
e saindo fui à Casa dos Vinte e quatro vestir-me de capa, e volta (?) para ir
para a junta onde achei outra carta anónima também ameaçando-me a vida: cada
vez mais consternado estava o meu aflito coração, fomos para a Junta, e
entrando, e deixando a vara de fora da porta disse que eu tinha sido chamado ao
quartel general aonde tinha sido repreendido, e admoestado em consequência da
queixa e papéis que lhe tinha entregado o senhor conde da Ega, e puxei pela
carta que tinha achado na Casa dos Vinte e quatro, e apresentei-a, e vendo-a
alguns disse Lucas de Seabra que aquela letra era a mesma que costumava
aparecer nos pasquins e levantando-se o conde da Ega lendo o papel que traziam
feito que com pouca diferença era o mesmo em que tinham assentado e perguntando
a todos estes se encolheram e nada disseram, a mim não me perguntaram nada, e
eu nada disse, pois não tinha o voto que tinha mandado fazer, e dizendo o Conde
da Ega que era preciso pôr-se em limpo a isto se ofereceu o conselheiro Guião
dizendo que se queriam que ele o escrevesse que tinha nisso muito gosto e nesta
ação se ocuparam três o conde da Ega dizendo, [22]
o conselheiro Guião escrevendo, e o secretário Moniz aparando penas, acabado
que foi se principiou a assinar, o conde da Ega como deputado mais antigo, e
fazia de presidente, o principal Miranda, o principal Noronha como deputados do
clero, o conde de Almada e o conde de Castro Marim filho como deputados da
mesma Junta, o conde de Peniche, e D. Francisco Xavier de Noronha como
deputados da nobreza, o Chanceler Mor do Reino, e o Chanceler da Relação como
representante da magistratura, o vereador conselheiro do Senado João José de
Faria da Costa Abreu Guião, e o conselheiro do Senado Luiz Coelho Ferreira do
Vale como vereadores do mesmo Senado, e passando para eu assinar disse que
primeiro devia assinar o desembargador Leite, respondeu não assinava porque
estava ali como fiscal da Junta e não como vogal, ao que respondi muito me
admira que V. S. não seja vogal para assinar, quando ontem votou e o seu voto
foi o mais eloquente, e moroso, e que também acaba de aprovar o que se assina e
por consequência o deve assinar, porém como a justa proposição era minha todos
disseram que como fiscal não devia assinar, e pegando eu na pena disse em alta
voz, eu vou assinar, mas o faço obrigado, e por me dizerem estou vencido em
votos, e por me não chamarem cabeça, e sócio de revolucionários e salvar o
direito da minha vida e assinei, seguiu-se o meu escrivão, e também a carta de
agradecimento à deputação portuguesa [23] pelos
seus bons ofícios que tinham feito à nação e junto a S. M. I. e R. e disse ao conde
da Ega eu tenho a honra de V. Ex.ª me conhecer há muitos anos, e sabe se eu sou
capaz de me [as]sociar com cabeças revolucionárias e inquietadoras, e o conde
disse que todos deveriam ir acompanhar a entrega daquele papel à casa do
general e ao sair da dita Junta me entregou um correio o aviso do intendente de
polícia Pedro Lagarde, como se vê no documento n.º 27, acompanhei a casa de
Junot o tal congresso, e não estava em casa, ficou o conde da Ega à espera dele
para lhe entregar a tal papelada e todos os mais saíram e eu fui para casa do
Lagarde com o meu escrivão e aí fui perguntado pelo dito Lagarde servindo de
língua Jorge Escarniche se conhecia quem me tinha entregado os papéis que tinha
lido na Junta, e se conhecia a letra da carta que tu tinha dado ao general
Junot, e eu tirei da algibeira a outra que tinha recebido na Casa dos Vinte e
quatro, e apresentei-lhe e ele ma pediu, e depois disse-me se eu tinha algum
papel na algibeira que o queria ver, e dando-lhe eu todos os papéis que tinha
comigo pôs-se em exame e averiguações de letras e vendo o que eles continham
tornou a dar-mos, e daí perguntou-me quais eram os sentimentos da nação
respondi que se ma dava licença diria a verdade, e disse se o grande Naopleão
quisesse que o seu nome ficasse eternizado nos corações dos portugueses era
restituir-lhe seu antigo soberano, ao que respondeu que isso era [24] impossível e jamais se uniria o governo da
América ao da Europa, respondi não é crime na nação nem em mim o termos
semelhantes sentimentos, e desejos, mas sim louvável, porque tenho a certeza de
que S. M. I. e R. se regozijaria em encontrar iguais sentimentos nos seus
vassalos, nada mais me quis ouvir levantando-se me mandou embora, o que eu não
esperava pois julgava ali ficar, e quando cheguei a casa achei o voto que eu
tinha mandado fazer ao letrado como se vê da cópia n.º 28 cujo ignorava o que
me tinha acontecido, pois julgava como eu lhe tinha dito que era para o dia 25,
e depois lhe contei o sucedido.
Em o dia 26
recebi um aviso do conselheiro Guião para me achar na Junta dos Três Estados no
dia 27 como se vê do n.º 29.
Em o dia 27
fomos para a Junta à hora determinada e entrando com a mesma cerimónia de
largar a vara estavam todos os do dia antecedente menos o desembargador Leite e
aí se apresentaram dois papéis iguais ao outro que se tinha assinado,
dizendo-se que era um para subir à presença de S. M. I. e R. e outro para ficar
na Torre do Tombo, e outro para ser remetido aos da deputação que se acham
juntos so imperador, e principiando a manda-los assinar disse eu que primeiro
deviam ser lidos antes que se assinassem, respondeu-me o conde da [25] Ega que logo se liam, e continuando assinar
tornei a suplicar que fossem lidos, a isto disse o conde da Ega o senhor Juiz
do Povo é muito zeloso e escrupuloso, e me admira tenha a lembrança de julgar
que um congresso tão respeitoso fizesse um papel que não fosse igual ao outro,
e demais eu acho-me autorizado para tudo isto ao que eu nada respondi e depois
de todos assinarem, também assinei e o meu escrivão, e mandando-se abrir a
porta do tribunal, entrou o corpo do clero o qual tinha sido chamado por aviso
da secretaria para virem assinar o papel, que eles tinham feito, dizendo o conde
da Ega eram os votos da nação, e principiando com a sua exortação ao estado do
clero, ponderando-lhe muito as nossas circunstâncias, e depois lhe leu o tal
voto e lhe disse viesse assinar, e chamando-os pelas suas graduações, e
hierarquias, achava-se neste grandioso corpo, arcebispos, bispos, principais,
monsenhores, cónegos da Patriarcal, cónegos da Basílica de Santa Maria, priores
mores, e alguns prelados de de comunidades
(?), os quais todos assinaram sem dúvida alguma, e se concluiu esta ação
ficando avisados para que nos dia 28 pelas dez horas ali nos acharmos, e como
achei duas cartas anónimas uma pré, outra contra o sistema francês, quando vim
da Junta dos Três Estados, fui a casa do Herman para lhas entregar o que fiz e
como estava Pedro de Mello Breyner presente, leu uma, e o Herman outra e disse
o Herman que era impossível contentar a todos que cada um [26] desejava como bem lhe parecia, que quando ele
aqui tinha estado, diversos sujeitos lhe tinham dito desejavam que viesse os
franceses a Portugal, os quais talvez agora não dissessem tal porque hum tinha
ido degradado para fora de Lisboa, e outro tinha a pagar uma contribuição de
doze mil cruzados, o degradado soube eu que era Verdier porque havia dois dias
tinha saído, o outro não soube quem era, e chegando a casa achei a carta de
ofício n.º 30, e o aviso n.º 31, para eu expedir as ordens aos deputados da Casa
dos Vinte e quatro na dita conformidade, o que determinei se fizesse.
Em o dia 28
fomos para a Junta mais tarde da hora determinada, e quando entrámos sem a vara
já estava um grande corpo de nobreza, e logo o conde da Ega fez a sua costumada
oração dedicada à nobreza, e lhe leu o voto chamado da nação e principiou a
chamá-los pela ordem da corte para assinarem, compunha-se este grandioso corpo
de marqueses, condes (entre estes o conde de Rio Maior pegando na pena disse em
voz alta eu vejo a maior parte de nobreza assinada neste papel e o resto pronto
a assinar, razão porque me vejo obrigado [a] assinar o que não devo assinar, e
assinou), viscondes, barões, e o corpo dos nobres que aí se achavam que ao todo
seriam setenta a oitenta pessoas, no assinar houve uma grande questão entre o
visconde de Fonte Arcado, e José de Seabra [27]
da Silva, sobre qual deveria assinar primeiro, cedeu José de Seabra deixando-se
ficar quase para último, e concluída esta ação ficámos avisados para no dia
trinta pelas dez horas ali nos acharmos.
Em o dia 30
fomos na forma determinada, e largando a vara foi logo admitido o corpo do
Senado, e Casa dos Vinte e Quatro, o conde da Ega com a sua costumada
exortação, e acabada que foi leu o voto e findo chamou o corpo do Senado para
assinar; e depois os vogais da Casa dos Vinte e Quatro e todos assinaram, ao
meio dia foram admitidos os tribunais a quem depois o conde da Ega leu uma
oração e depois o dito voto e foram chamados os tribunais separados para
assinarem principiando pelo Conselho de Guerra, Desembargo do Paço, Conselho
Geral do Santo Ofício, Conselho da Fazenda, Conselho do Ultramar, Mesa da
Consciência e Ordens, Real Junta do Comércio, Relação, Erário, Casa de
Bragança, e depois de saírem os tribunais apareceu uma nova carta para a
deputação mais acrescentada que a outra em agradecimento e assentaram que se
devia ir entregar aquele papel todos os que tinham levado o outro (menos o
desembargador Leite pois esse logo que assinou com o tribunal tinha saído) e
não estando o general em casa ficaram os três deputados da Junta dos Três
Estados encarregados da sua entrega e se finalizou esta desgraçada ação, do
documento n.º 32 consta todo o referido passado da Junta dos [28] Três Estados, e com o intendente Lagarde.
Em o dia 4 de junho recebi a carta de
ofício como do n.º 33, e a cópia do aviso n.º 34 para mandar deitar abaixo as
armas da vara, e mandando convocar todos os vogais da Casa e em conferência se
determinou que se observasse o determinado o que logo mandei fazer à vara que
passa de um a outro juiz, e não na minha que eu tinha em casa porque aí sempre
quis conservar este padrão de fidelidade deixando ficasr os reposteiros da Casa
em elas, e sempre postos nos seus lugares.
Em o dia 16 de junho memorável e em que as
tropas de Marengo, Jena e Austerlitz, não só tremeram, mas até largaram as
armas e fugiram, por um pequeno sussurro sucedeu tão grande lavarinto, eu estava dentro da igreja, e a tempo
que o principal pegava na custódia, senti um grande sussurro à porta da igreja
e de repente me pareceu escurecia o ar, e lembrei-me de tremor de terra, e a
tempo que me levantei e olhei para a porta vi darem muita pancada, e logo a
guarda de granadeiros que estava junta à capela mor carregarem as armas, a isto
me retirei para a capela do sacramento e meti-me por trás do altar na escada da
tribuna até que passou aquele grande labarinto,
e com grande custo lembrando-me de quem ia acompanhar me animei a sair, e na
volta na rua Áurea principiou novo sussurro em que não houve maior [29] desordem.
Em o dia 26 fui adiante de Sacavém visitar
Agostinho de Oliveira Guimarães, à sua quinta, e como eu todos os dias que
podia, enquanto esteve em Lisboa ia à noite para sua casa, e com a sua família
chorávamos a nossa desgraça e situação, e passando pelo lugar de Sacavém mandou
o francês governador da terra examinar a casa do sobredito quem eu era, e que
ia ali fazer, disseram-lhe que era o juiz do povo de Lisboa que em razão de
compadre o ia visitar, mandou sindicar (?)
se tu tinha ido ali fomentar algum levantamento, tais eram as vistas que os
amigos traziam em mim.
Em o dia 7 de julho foi à Casa dos Vinte e
Quatro procurar-me Francisco Xavier de Sepúlveda, comissário da Ribeiro no
Lazareto, propondo-me que seria muito bom fazer-se um levantamento, e que
ninguém tinha proporções para o formar como eu, porque tinha o povo todo à minha determinação, eu desconfiei destas
proposições não esperadas, disse-lhe que me dissesse quais eram as suas
tenções, respondeu-me que seria bom escrever eu uma carta à Junta Central de
Madrid para dar os primeiros socorros, e que ele se encarregava da carta para a
fazer entregar e que para este entrega se fazer precisava-se trezentos mil reis
para despesas, eu estava desconfiado com o homem por ver que no meio de toda
esta conversa falava-me muito nos franceses que estavam na outra banda donde
ele [30] assistia, e também dos portugueses que
governavam am aquele distrito, eu que andava desconfiado, desconfiei não fosse
algum exame que me queriam fazer, disse ao dito Sepúlveda que em outra ocasião
falaríamos, e que eu queria pensar melhor no caso, e o despedi.
Em o dia 9 recebi a portaria do Senado para
formar a relação dos que não tinham pago o primeiro terço da contribuição para
serem sequestrados como se vê do documento n.º 35 o que se fez e fui remetendo
para o tribunal, e o Senado mandando logo proceder aos ditos sequestros.
Em o dia 13 tornou a aparecer i dito
Sepúlveda na Casa dos Vinte e Quatro e diante dos escriturários, e contínuo
entrou a falar na dita revolução com todo o descaramento, e perguntando-me que
tinha eu resolvido, respondi-lhe esta Casa conserva o antigo brasão de nunca
ser falso aos seus soberanos, e mandei-o com esta resposta embora, entraram
todos comigo que me não fiasse naquele homem que certamente dava todas as
ideias de ser espia, o mesmo que eu pensava dele.
Em o dia 16 veio a minha casa procurar-me o
negociante Filipe Ribeiro Felgueiras pessoa do meu conhecimento e homem
de honra e disse-me que ele tinha em o seu armazém duas peças de artilharia de
calibre de nove, e muita bala própria, e metralha, montada em carretas, e
alguma pólvora, [31] caso eu tivesse
determinado alguma coisa que contasse com elas às minhas ordens, e deu-me
notícias do estado do nosso exército da província, e dos seus movimentos, e
vendo ele a satisfação que eu tive da notícias que me deu, me prometeu dar-me
notícias de todos os movimentos que ele fazia em nosso benefício.
Em o dia 18 torna o mencionado Sepúlveda
novamente a cometer-me o dito levantamento, mas sempre vinha com o protesto de
eu ser cabeça, e que na minha mão estava o fazer-se esta operação e não esperar
que viesses os da província fazê-lo, respondi-lhe que me não tornasse ali com
semelhantes proposições, porque só me fiava em Deus, e não nos homens.
Em o dia 27 recebi do Senado o ofício n.º
26, e o aviso n.º 37, para não se fazer a procissão de voto pela meia noite do
dia próprio, passei as ordens necessárias, já isto tudo era medo nos franceses,
porque já se falava muito nos cem meninos
perdidos, a quem eles segundo as suas circunstâncias tinham todo o
respeito, e o dito Felgueiras todas as ocasiões que tinha notícias certa do
exército combinado ia-me dando parte de que vinha se aproximando a nossa
redenção, e felicidade.
Em o dia 5 de agosto fomos pelas dez horas
da manhã para a Penha de França assistir à missa na forma da resolução do
ofício do Senado.
Chegou o dia 16 dia [32] que apareceu mais brilhante aos nossos olhos pela falta do
quartel general pois sai de madrugada para o campo aparecendo nas esquinas a
notícia da sua saída, mas anunciandos fosse qual fosse a sua sorte ele tornaria
a nós, ficando no seu lugar o general Travó
que vinha do governo de Oeiras.
Em o dia 18 mandou-me chamar o conselheiro
Guião que lhe fosse falar ao Senado fui, e então me disse que me haviam de
mandar chamar da Junta do Governo, e que estivesse eu pronto porque não tinha
havido tempo para se fazer aviso, e vi pelo que ele me disse que era preciso o
povo estivesse tranquilo e que seria bom buscar algum meio de o tranquilizar, e
quase me deu a entender alguma proclamação minha, e vindo para a Casa dos Vinte
e Quatro de me pôr pronto até que veio um correio chamar-me, fui à Ribeiras das
Naus, e na sala do Almirantado encontrei o general Travó,
Luite (?), Herman, Lagarde, o secretário
do governo, o conde da Ega, o principal Castro, Pedro de Mello Breyner,
Francisco de Azevedo Coutinho, João José Guião, o abade do convento de S.
Bento, António Rodrigues de Oliveira, e eu, e o meu escrivão, perguntou-me
Pedro de Mello Breyner qual seria o meio do povo estar sossegado, respondi que
o meio estava na mão do governo, não andar todos os dias com proclamações, nem
editais que isso em lugar de os aquietar pelo contrário mais os punha [33] em inquietação, e que o senhor Lagarde em o dia
antecedente tinha ido ao monte de S. Catarina, e Adro das Chagas, espancar quem
estava ali vendo o mar, expondo-se asi (?),
e aqueles desgraçados, e que o povo no meio de tanto flagelo devia ter alguma
liberdade, ao menos de falar e não andar a prender a quem o fazia e eu tinha
andado atrás da sege a observar tudo isto, e por isso é que o dizia, e disse
mais V. Ex.ª sabe belamente que aqueles dois sítios sempre foram em todos os
tempos para o povo, de inverno para tomar o sol, e de versão para tomar o
fresco, pois não servia somente para observar a esquadra inglesa como o senhor
Lagarde tinha dito àquela gente que ali estava, chamando-lhes marotos e
mandriões, depois se puseram todos a falar em francês e daí disse Pedro de
Mello para todos os de fora da Junta que tínhamos ali sido chamados afim de se
arranjarem as coisas todas na melhor ordem e que quando tornasse a ser preciso
se passaria novamente aviso, e todos se retiraram, e deste modo me livrei de me
obrigarem a pôr algum papel o que eu não fazia.
Em o dia 19 parou a concorrências da
contribuição, e sempre os ofícios pagaram do primeiro terço o que mostra a
relação n.º 38, assim como da mesma se vê quanto não chegaram a pagar, da
relação n.º 39 se vê quanto pagaram do primeiro terço as lojas, e lugares de
venda pública da cidade assim como da mesma se vê os que não chegaram a pagar,
do n.º 40 se vê a relação do termo tanto de um como de outro artigo. [34]
Em o dia 20 foi à Casa dos Vinte e Quatro
Gaspar Pessoa Tavares e fazendo-me protesto da maior fidelidade, e que seu
filho se achava no exército comandado pelo general Bacelar me apresentou os
documentos, e oferta que consta do n.º 41.
Em o dia 22 foi João José Guião procurar-me
à Casa dos Vinte e Quatro e apeou-se, eu desci abaixo a falar-lhe, disse-me se
sabia alguma novidade, respondi-lhe que corria de facto Junot ter sido
desbaratado, ao que respondeu afetando muita alegria logo que você saiba a
certeza mande-mo dizer porque havemos de fazer muita função, e retirou-se.
Em o dia 31 veio a minha casa o prior da
freguesia de Sacavém, e disse-me que nós ficávamos roubados e que estes homens
estavam em capitulação, e que viu o modo em que havia de embaraçar isto,
respondi-lhe que visse se me trazia um nós abaixo-assinados para eu poder fazer
alguma coisa, disse-me que ia fazer aprontá-lo.
Em o dia 2 de setembro pela manhã
aparece-me o dito prior muito triste dizendo-me que todas aquelas pessoas que
tinham dito estavam prontos a assinar todos tinham duvidado na ocasião,
disse-lhe que ainda havia um meio que era ir ter ao exército com o general
Bernardim [35] Freire de Andrade, e se ele
dissesse que eu lhe fosse falar que prontamente me achava determinado, disse-me
que ia, e me traria a resposta.
Em o dia 4 pelas três horas da tarde
mandou-me chamar o general Beresford à casa de António José Batista Salez,
aonde tinha sido aquartelado, pela uma da tarde, falei ao dito general, e
depois fiquei com João Belle falando a respeito do estado das coisas, e este
foi ter com o dito general participar-lhe as minhas ponderações, este me disse
que seria muito bom procurar um meio de os generais convencionados se meterem
em questão para ver se podia anular a convenção, e que o general queria que eu
me encarregasse de saber o que os franceses tinham feito nos passos reais
depois da Convenção de Sintra, em aquela mesma noite fui ao palácio das
Necessidades saber se tinham ali cometido das suas diabruras, e soube que até
tinham trazido de resto algumas sacas cheias de lã de colchões, o ser chamado a
cada do dito Salez consta do documento n.º 42.
Em o dia 5 de madrugada fui ao Palácio de
Queluz e procurei diversos para saber do estado da coisa, achei extraordinários
procedimentos e como vi eu não podia dar conta desta comissão vim para o
general Beresford disse-lhe o que tinha achado e para melhor se saber o que
eles tinham feito seria bom chamar os almoxarifes, o que se fez, chegando a
casa achei o prior de Sacavém que vinha da [35] Encarnação donde estava o
exército português, e me disse que o general Freire me mandava dizer que visto
eu estar na determinação de trabalhar a benefício de todo este reino que fosse
primeiramente falar ao general Dalrymple, que estava na Quinta de S. Pedro em
Sintra, e a o depois fosse ter com ele a Mafra para onde partia logo, neste
tempo entraram para me quererem falar o beneficiado Alexandre da Silva
Coutinho, Hilário José Quaresma, e Luís
António Rebelo, ambos negociantes, e sem saberem da minha determinação entraram
a propor-me as circunstâncias presentes que exigiam que eu fizesse todo o
possível a nosso benefício, disse-lhes tinha determinado sair de Lisboa a
tratar deste negócio, pediram-me se lhe era possível o poder-me acompanhar, eu
lhe disse que sim, e determinei sair no seguinte dia pelas quatro horas da
manhã, para Sintra conforme a insinuação que tinha, fui aprontando no resto do
dia os papéis necessários.
Em o dia 6 pelas quatro horas sai de casa e
fui a casa do dito Quaresma como tinha justo juntar-me com os ditos para fazer
a determinada jornada, tomámos o caminho de Sintra, e à Ponte Pedrinha foi
preciso passar pelo acampamento francês, e ao depois passar pelas guardas
avançadas a Massamá, e chegando ao Papel estava já o exército inglês, e logo
mais adiante encontrei um dragão de Chaves, e perguntei se o general inglês
estava em Sintra, disse-me o dragão que tinha passado para Oeiras, e que tinha
passado de [37] noite para lá, e não havendo
caminho de sege dali para Oeiras sem passar pelas guardas avançadas, e exército
francês, procurei um guia para ir a pé por dentro do acampamento inglês e
mandei a sege sair a Paço de Arcos, aqui nos dividimos, o prior de Sacavém foi
para Mafra dar parte ao general Freire, os dois negociantes vieram dentro da
sege dar volta por Queluz, e eu, e o beneficiado fomos a pé, e chegando a
Oeiras, fomos para o palácio do Marquês de Pombal aonde estava o general Dalrymple,
o qual me veio logo falar e me serviu de língua o dito negociante que comigo ia
Luís António Rebelo, pediu o general lhe traduzisse o ofício que eu levava para
me poder responder, o que o dito Rebelo fez cujo é o do n.º 43, e depois de ler
respondeu em francês que el Rei seu amo o tinha mandado a Lisboa para promover
os interesses de Portugal, e da sua soberania, e que tinha mandado um general
para Lisboa a fim de examinar o embarque que eles faziam e que estivesse
descansado que eles não poderiam levar nada mais do que aquilo que lhe era
permitido como bagagem, quando Dalrymple falou comigo e me deu a resposta
achava-se um general francês presente que estava ali de reféns, saímos e
procurámos o caminho de Mafra, e pernoitámos em casa do prior de Cheleiros
porque já o gado não podia andar.
Em o dia 7 de setembro chegámos a Mafra e
fomos logo ao quartel-general que era no Palácio falei ao general e a todos os [38] mais oficiais que ali se achavam participei-lhes
o que tinha passado com o general inglês, e depois convoquei-os para virem a
Lisboa, ao que me respondeu o general chefe que tinha um exército incapaz de
entrar em Lisboa, que estava falto de subordinação, e que seria mais o estrago
que fizesse nos portugueses, que nos próprios franceses, fez-me ver a
correspondência que tinha tido com o general inglês, que a leu Aires Pinto,
pela qual vi que o dito general o ameaçava, dizendo que tinha trinta mil homens
para fazer cumprir com o que se tinha comprometido, entreguei-lhe o ofício n.º
44, por fim disse-me que ele ia a Oeiras ao quartel-general inglês, e que
esperava por ele ali o que fiz, participei-lhe como primeira autoridade
portuguesa, o que Gaspar Pessoa me tinha oferecido, respondeu-me que ele já o
tinha participado a mesma oferta, chegou em o dia oito de tarde, e falando-lhe
disse-me que o general inglês estava teimoso, e que tivesse paciência já agora
era melhor perder alguma coisa, do que ir arruinar a cidade mas que não fosse
eu para Lisboa que a minha vida corria muito risco e em esta ocasião.
Em o dia 9 pela manhã alevantei-me
determinado a vir para Lisboa pois estava com muito cuidado não sucedesse
alguma diabrura do povo porque estava bastantemente inquieto, e fui ter com o
general Freire, e disse-lhe que eu me retirava para Lisboa, e que eu estava de
acordo falar ao almirante Cotton [39] a ver se
se lhe podia dar algum remédio, respondeu-me que fizesse o que me parecesse mas
que visto eu estar na resolução de ir para Lisboa que me apresentasse ao
general Beresford para me dar uma guarda para a porta, mas que contivesse o
povo com todo o sossego, em este mesmo dia pelas cinco horas da tarde cheguei a
Lisboa e entrando em casa, logo Jerónimo Lourenço Botelho a dar-me parte que o
general Tiabó [Jean-Pierre Travot? ou Paul-Charles-François
Thiébault?] tinha dito em aquele mesmo dia no seu quartel em casa de
Jacome Ratton que eu devia ser assassinado donde quer que eu estivesse,
retirei-me de casa, e pernoitando por casa de alguns amigos, mas sempre
trabalhando, e também achei em casa duas cartas de João José Guião que me
queria falar, como se vê do n.º 45, e n.º 46.
Em o dia 10 pela manhã fui ao Senado
falar-lhe, queria saber de mim o que tinha feito, e para que tinha saído sem
lho participar, respondi-lhe que a pressa não me tinha dado lugar e que tinha
recebido ordem do general Freire, por isso tinha saído de repente (eu não lhe
participei a minha saída porque não tinha nele toda a confiança pelas
antecedências), disse-me que Pedro de Mello Breyner me queria falar e que fosse
eu a sua casa, disse-lhe que lá iria, mas fazendo tenção de não por lá os pés,
porque o povo falava bastantemente nele, e eu que tinha recebido o aviso da
determinação do general Tiabó não me
fiava de ir a parte alguma, em este mesmo dia apareceu o edital da reclamação
único efeito que tirei dos meus trabalhos [40] pois muitas coisas se reclamaram, e poucas se
entregaram.
No dia 11 de setembro fui a bordo da nau do
almirante que estava defronte de Paço de Arcos, levando comigo um língua
chamado João Redge, negociante, e
conduzindo-me o dito almirante Cotton para a câmara e depois de sentados
entreguei-lhe o ofício n.º 47, e o língua explicando-lhe o que ele continha,
disse-me que sentia tanto os males de Portugal como se fossem próprios, porque
ele era muito amigo dos portugueses estava na mão de S. Ex.ª porque todos
assentavam que ele não tinha parte em aquela capitulação, respondeu-me que ele
a tinha assinado, e ficando eu bastantemente triste, porque se iam acabando as
minhas esperanças, levantou-se e pegando-me na mão disse-me que tivesse
paciência que as coisas não haviam de ser tão feias como eu pensava, e disse-me
mais que ele julgava que os franceses não tinham feito tanto mal em Portugal
como eu dizia, porque eu era o primeiro que me ia ali queixar, respondi que não
se admirasse S. Ex.ª disso, porque o meu ofício era o representar pelo todo por
isso eu era o primeiro, e talvez o único, despedi-me, e retirei-me.
Em o dia 12 fui a cada do procurador da Casa/Coroa João António Salter de Mendonça, e
disse-lhe que me levava a importuná-lo certo escrúpulo de consciência, porque
eu já tinha feitos estas e outras diligências a fim de melhorar [41] a nossa
infeliz sorte, e como eu já tinha feito todos os possíveis e nada tinha obtido
apenas a reclamação que isso de nada valia, porque os franceses não só deixavam
de entregar os roubos mas continuavam no mesmo, e a estragar tudo, por isso
procurava sua Senhoria a fim de entrepor os seus ofícios como procurador da
Coroa, respondeu-me que se lhe tinha acabado a procuração, e demais que a sua
procuração era para as coisas ordinárias, e que para as extraordinárias era
sempre preciso participá-lo a sua Alteza, e como o havia ele fazer, e nisto
mais esmorecido ia ficando porque ia achando todas as portas fechadas; e
participando isto ao meu letrado disse-me não importa, tome toda a autoridade,
e como ninguém a tem, faça-se senhor dela fazem-se uns ofícios para certos
tribunais.
Em o dia 13 mandei entregar três ofícios
como do documento n.º 48, um à Junta dos Três Estados, outro à Real Junta do
Comércio, e outro do Desembargo do Paço, da sua entrega consta do documento n.º
49, em este mesmo dia falou-me Manuel Francisco da Cruz negociante meu
conhecido, com António Pereira de Figueiredo, e Pedro Jorge, oficiais da
secretaria que tinham estado em Mafra com o general Bernardim Freire de
Andrade, e que ele me mandava dizer fosse a bordo da nau do almirante Cotton, e
que lhe entregasse os papéis que constam
do documento n.º 50, em este dia ferviam as queixas de todas as partes dos
procedimentos dos franceses, mandei buscar certidões a Almada, ao Lumiar, ao Depósito
[42] Público, e à Casa da Moeda, e mandei fazer
outra representação para levar ao Cotton, a fim de anular a Convenção, e tratei
com os ditos sujeitos de ir ter com eles ao cais de Belém para irmos a bordo.
Em o dia 14 de setembro, fomos para bordo
da nau do almirante e serviu de língua o dito oficial da secretaria Pedro
Jorge, entreguei-lhe os papéis remetidos pelo general Freire, e o meu ofício
como consta do documento n.º 51, e lendo respondeu que Portugal não perdia
tanto quanto julgava, porque Inglaterra tinha feito grandes despesas no
bloqueio deste porto, respondi-lhe que não duvidava mas que os portugueses se
tinham sofrido todos os incómodos de que ele era sabedor também tinha sido por
conservar ilesa a amizade que havia entre Portugal, e Inglaterra, disse-me não
obstante isso a perda de Portugal é menor do que eu pensava, porque a bela
cidade ficam sem o menor prejuízo, o sangue poupado, e por consequência não é
tão considerável como julgais porque o vosso comércio fica livre, e logo todos
os prejuízos serão remunerados, eu estava ardendo com estas respostas, pois
todas eram alheias do meu pensar, disse-lhe que eu me julgava um perfeito
português, e como tal amante dos ingleses, por serem os únicos aliados do meu
soberano, e me custava muito ouvior censurar os mais portugueses sobre o
procedimento dos generais britânicos neste reino, é verdade que eles dizem que
devem uma grande parte da sua liberdade a S. M. Britânica [43], a V. Ex.ª, e os senhores generais do exército,
mas também dizem que conhecem que se os franceses vão impunidos pelos crimes
que cometeram, e os roubos que fizeram, são auxiliados pelo exército britânico,
esperava eu uma resposta forte, mas não sucedeu assim, porque disse-me se eu
fosse português também diria o mesmo, e que já ia mandar fazer à vela a
primeira divisão, não lhe disse mais nada do que despedir-me e retirei-me,
cheguei a terra fui logo acabar de aprontar o ofício n.º 52, e fiz logo
entregá-lo a ele a bordo da sua nau, antes que ele mandasse sair a primeira
divisão, e fiquei justo com oficial da secretaria António Pereira de Figueiredo
para irmos no seguinte dia de madrugada a Mafra levar a resposta do
acontecimento ao general Freire.
Em o dia 15 pelas quatros horas partimos
para Mafra, e chegando fomos para o quartel-general, e falando ao dito a
primeira coisa que disse foi já sei que tem feito seus ofícios aos tribunais, e
puxando da algibeira por um papel mostrou-me o ofício que eu tinha feito à Real
Junta do Comércio, que o tinha mandado o secretário da mesma junta para ele
ver, e depois dizendo-lhe o que tinha passado com o almirante Cotton se admirou
muito de ele não responder ao seu ofício, e me desenganou dizendo não se remediava
nada o que estava feito, estava feito, e logo recebi a notícia depois de jantar
por um correio que recebeu o general que se tinha levantado a bandeira
portuguesa, e se tinha feito o último embarque [44]
destes assassino, e neste instante ficou a minha alma tranquila do susto em que
andava de poder ficar em minha casa, o que não fazia desde o dia 6 de setembro,
convidou-me o general Freire para ir ao campo com ele ver passar revista ao seu
exército, o que eu muito gostei por ver aquele arranjo, e acabada retirei-me
para Lisboa, aonde encontrei a maior alegria que eu jamais vi, e em casa achei
um convite para ir no dia imediato assistir a um Te Deum do Senado em a sua
igreja de Santo António.
Em o dia 16 fui para a igreja de Santo
António e assisti com o corpo do Senado a uma missa cantada, e Te Deus e depois
fomos para a Casa do Despacho donde se determinou o fazer-se uma procissão de
voto anual em memória da nossa restauração, e depois o conselheiro Guião
pegando em uns papéis deu-mos para eu ler e assinar, continha a reclamação das
assinaturas da petição de rei, e eu duvidei a assinar dizendo que como eu tinha
protestado contra a violência que me tinham feito naquela ação não tinha que
reclamar, disseram-me todos os mais conselheiros, e procuradores da cidade que
não tinha dúvida o eu reclamar a minha assinatura não obstante o que eu tinha
feito, assinei, e na mesma ocasião se determinou a grande festa do Senado, e a
esta função já assisti com a vara que tinha com as armas reais. [45]
Em o dia 17 fiz Casa dos Vinte e Quatro
para determinar a função pertencente à dita Casa e ofícios a ela anexos, e se
determinou o que consta do termo n.º 53 e em consequência determinei a função,
e a preparar-se todo o necessário para ela.
Em o dia 19 em consequência das queixas que
me foram presentes fiz o ofício ao Senado que consta do n.º 54 a fim de se dar providências
sobre o excesso a que iam subindo os víveres cujas providências eram as que se
tinham dado na entrada do exército francês, e constam do edital n.º 55, mas não
sucedeu assim porque no dia 20 apareceu o edital n.º 56, todo em contrário às
providências anteriores.
Em o dia 23 fiz o ofício n.º 57, aos
governadores do reino, pelas repetidas queixas que tinha tido desde a saída dos
franceses, de não quererem aceitar a moeda francesa, e espanhola, tanto nas
estações públicas, como nas particulares, isto por pessoas de todas classes
pois até para o necessário alimento não tinham quem lho vendesse sem um grande
desconto nesta moeda, de tarde fui à quinta do marquês de Abrantes, aonde se
achava aquartelado o general Dalrymple e lhe entreguei o ofício n.º 58 e de lá
vim pelas Picoas e entreguei a D. Miguel Pereira Forjaz, o ofício n.º 59, para
o fazer entregar ao general Bernardim Freire de Andrade, que estava em Belas.
Em o dia 24 fui assistir à festa, e Te Deum
na Sé, e para este fim tive [46] uma carta de participação, depois fui a casa
de Francisco António Ferreira, aonde se achava aquartelado o marechal Laguna,
espanhol, e lhe entreguei o ofício n.º 60, e pelo correio remeti para Espanha o
ofício n.º 61 para ser entregue ao general Balesta.
Em o dia 25 em consequência da portaria n.º
62 fomos assistir todos os três dias, e tarde, em segundo disse-me o
conselheiro Guião que tinha sido chamado à Secretaria de Estado para certa
coisa, e que Saltez [João António Salter de Mendonça?] lhe dissera me
dissesse não fizesse a função que tinha determinado a Casa porque não era justo
que os ofícios pagassem coisa alguma para ela, e logo conheci que a intriga era
manejada por ele Guião.
Em o dia 27 fiz a representação n.º 63 com
o documento n.º 53 dentro e fui entregá-lo à Junta do Governo porque na tarde
do dia antecedente tinha falado ao Salter
e ele me disse que fizesse uma representação para se determinar, em esta mesma
tarde falei ao marquês das Minas para este mesmo fim, respondeu-me que lá veria
isso, falei a D. Miguel Pereira Forjaz disse-me é verdade que Salter falou hoje
nisso mas como não é coisa da minha repartição não me importou, pedi-lhe que
quando se lesse a minha representação que esperava que fizesse da sua parte o
que pudesse porque era um desdouro para a Casa dos Vinte e Quatro o deixar de
fazer semelhante ação. [47]
Em o mesmo dia 27 estando na igreja de S.
António me entregaram o aviso para eu entregar no Senado o que logo ali
entreguei ao dito Guião e abrindo deu-mo a ler e vi que determinava que o
Senado deferisse como entendesse, bem entendido que não se pediria por derrama
às corporações; deferiu o Senado no dia 28 como se vê da portaria lançada na
representação n.º 63 na qual vi a alçada do Juiz do Povo suprimida porque vendo
eu o livro de receita e despesa da Casa acho nela algumas funções de ações de
graças, e pedidas as suas despesas às corporações, vendo agora totalmente
desbaratada a minha jurisdição, mas ficando bem conhecendo donde emanava a
intriga.
Em o dia 28 fui assistir à festa do Corpo
da Nobreza na igreja de S. Domingos, aonde concorri os três dias pois tinha
tido para isso uma participação.
Em o dia 29 fiz a juntar os vogais da Casa
dos Vinte e Quatro para lhe participar o acontecido, e neste ajuntamento foi
meu parecer que não se fizesse a função de ação de graças, visto que ela havia emportar, e como devia ser ao depois o embolso, a
isto disse o Procurador dos Mesteres Alexandre José dos Reis que a festa se
havia de fazer, que no Senado se tinha dito, que a festividade por força se
havia de fazer, e não se pediria por força nada às corporações, mas sim o que
de sua livre vontade quiserem dar, conhecendo eu logo que esta manejo era para
me aterrarem, ou para eu fazer uma festa em que ficasse envergonhado [48] por falta de meios, e eu ficar totalmente
arruinado, e não se lembrarem de que eu teria amigos que não me deixassem ficar
mal, e principiando a votar determinou a Casa que se fizesse a festa da mesma
sorte que determinado estava como se vê do termo n.º 64, expediram-se as cartas
às corporações na forma determinada na portaria, toda esta intriga vinha
nascida da emulação que João José Guião tinha, da determinação da festa da
Casa, talvez persuadido que as minhas ideias fossem deitar abaixo a função do
Senado, porém enganava-se porque eu só que eu só queria com a devida decência
dar graças ao Omnipotente de nos vermos livres de semelhante flagelo.
Em o dia 2 de outubro fui [à] Ajuda
assistir à festa, e Te Deum, que mandaram fazer os governadores do reino, os
quais assistiram, e como eu não tinha ido assistir à função que se tinha feito
em aquela igreja no domingo de Páscoa, aonde tinha ido um grande concurso, era
justo que fosse a esta aonde me achei só, além dos generais, e estado maior, e
alguns oficiais do exército das províncias do norte.
Em o dia 3 foi o primeiro da função da Casa
dos Vinte e Quatro no Convento dos Religiosos de S: Paulo Primeiro Eremita,
oficiou em os três dias o arcebispo de Lacedemónia, junto ao altar da parte do
evangelho estavam as cadeiras para os governadores do reino, e na quadratura da
capela-mor estava o estado do clero, o cruzeiro o corpo da nobreza [49] de ambos os sexos, e no corpo da igreja o povo,
da parte do evangelho os convidados, e do lado oposto o Senado, Casa dos Vinte
e Quatro, e por detrás os cabeças das corporações, todos de capa e volta, no
cruzeiro da parte do evengelho fora do arco, estava uma tribuna aberta em que
no primeiro dia esteve o corpo dos generais, e mais oficiais que tinham estado
na capela da Patriarcal, e no terceiro esteve o general Beresford, e seus
ajudantes, e também somente o general Freire, e seus ajudantes, terminando
neste dia a função com um grande Te Deum.
Em o dia 8 fui a casa de João Bella [João Bell?], que servia de cônsul
inglês, pedir-lhe me fizesse o obséquio de mandar entregar ao almirante Cotton
o ofício n.º 65 de que se encarregou, e depois passei à casa do general do
exército do sul o conde de Castro Marim, entreguei ao seu ajudante de ordens, o
ofício n.º 66, não lhe falei porque estava gravemente molesto.
Em o dia 22 recebi o aviso para ir ao
Senado no dia 24 para assinar o voto da procissão como se vê do documento n.º
67.
Em 31 de outubro recebi uma carta do
almirante Cotton em resposta ao ofício de agradecimento que tinha feito a qual
se vê no documento n.º 68.
Em o dia 6 de novembro veio a minha casa um
correio e disse-me que o secretário do general inglês tinha grande precisão de me
falar da parte do mesmo general [50] e como se
achava bastantemente ocupado em negócios de serviço quisesse eu falar-lhe em
sua casa, e ensinando-me o correio donde era disse-lhe que lá iria, e como me
tinha mandado dizer que fosse às sete horas da noite fui, e em lugar do
secretário inglês achei-me com Francisco Sodré intérprete do dito general
disse-me que o general sentia muito o eu não o ter visitado, e que tinha certo
negócio comigo respeito a Dalrymple e que estava muito bem visto de S. M.
Britânica, e enfim estimo que esteja a ponto de fazer a sua felicidade,
disse-lhe que me dissesse quando, e a que hora poderia fazer o meu cumprimento
ao general, respondeu-me amanhã do meio dia para uma hora, e ficando certo
nisto retirei-me.
Em o dia 7 fui com o meu escrivão a casa do
barão da Quintela para cumprimentar o general Boras [Harry
Burrard], e procurando Francisco Sodré este me apresentou ao dito
general donde recebi todo o bom acolhimento distinguindo-me com muito obséquio,
e entre este foi um, o perguntar-me donde morava que me queria pagar a visita
que muito estimava, disse-lhe adonde morava, e perguntei ao Sodré se S. Ex.ª
tinha alguma coisa a dizer-me que lho perguntasse respondeu-me que como S. Ex.ª
me queria visitar então mo diria fiz a minha despedida e saindo no princípio da
escada disse-me o Sodré o general tem a propor-lhe o negócio de fazer um papel
em que aprova tudo quanto se fez na evacuação dos franceses desta cidade, e em
que [51] diga que todos os papéis que tinha
feito em contrário era mal informado, a isto propus-lhe as minhas dúvidas,
entrou então com promessas, e proteções, respondi-lhe como mostra o documento
n.º 69, imediatamente fui a casa de Cipriano Ribeiro Freire, dar-lhe parte
deste acontecimento e para ele fazer presente aos governadores do reino, como
mostra o mesmo documento, o certo é que o dito general foi chamado para
Inglaterra e nunca se verificou a tal visita, julgo foi efeito da resposta que
tinha dado ao dito Sodré que fez de agente do dito general.
Em 10 de dezembro tendo eu recebido uma
carta de Manuel Pereira Ramos da cidade do Porto, e com um requerimento dentro
para eu entregar aos governadores do reino em que pedia a graça de facultarem
licença para se organizar um regimento de negociantes daquela praça para defesa
da mesma fui esperar D. Miguel Pereira Forjaz para entregar o dito requerimento
em este tempo entrou D. Francisco Xavier de Noronha e disse-me tem por cá
alguma coisa, disse-lhe que estava à espera do secretário Forjaz para lhe
entregar um requerimento que tinha recebido do Porto para a organização de um
corpo de voluntários da corporação do
comércio para defesa daquela cidade, respondeu-me está bem, e perguntou-me
quando acabava o lugar, disse-lhe que no fim deste mês, disse-me em alta voz
que não podia ser porque eu devia continuar no lugar, respondi-lhe que me
achava doente, e cansado, respondeu-me que muito eu disse aquilo porque as [52] circunstâncias exigiam a minha continuação, que
ele era contrário à consulta que o Senado tinha feito pedindo a continuação dos
quatro procuradores dos misteres, e não obstante o não vir consultado na dita
consulta o governo é que o há de reconduzir, respondi que apesar da repugnância
que tinha a este lugar, uma vez que o Estado precisava da minha continuação, eu
estava pronto.
Em o dia 19 indo a casa de Cipriano Ribeiro
Freire levar o resto dos mapas, e instruções da contribuição, que me tinham
sido pedidos, disse-me o dito Freire quando era o dia da nova eleição, respondi
depois de amanhã, disse-me que eu devia ficar pois as circunstâncias eram
bastante críticas, respondi-lhe da mesma forma que tinha dito a D. Francisco
quando me fez a mesma pergunta, e disse-lhe, eu amanhã hei de ir pedir licença
aos governadores do reino para a nova eleição como é costume, e assim também
entregar uma representação sobre o desaforo com que os franceses, e mais
indivíduos sujeitos a estados de Bonaparte, se estão armando como se fossem
nacionais, respondeu-me que era muito bem feito, e que ele havia de ir ao
governo que esperasse por ele para levar o papel para dentro.
Em o dia 20 fui ao governo e quando entrou
o secretário Freire entreguei a representação n.º 70, e igualmente por ela
participar o dia da eleição, e a faculdade para a fazer, trouxe-me a resposta
quanto à eleição que se fizesse [53] com todo o
sossego, e como eu tinha mandado pedir que me determinassem, caso houvesse
alguma dúvida, a quem havia de recorrer para me decidir, disse-me que fosse ao
marquês das Minas, e a respeito da minha representação que se passavam
imediatamente as ordens para se providenciar tudo.
Em o dia 21 procedi a nova eleição como é
costume e não obstante os grandes embaraços que havia nas corporações pela
recondução geral que tinha havido no ano anterior, todos os vogais da Casa me
ajudaram e se fez tudo na forma dos alvarás por onde se rege a dita Casa,
emendando as torturas que algumas corporações tinham feito no meio desta
desordem, e tudo feito com o maior sossego, ficando eleitos como se vê da
relação n.º 71.
Em o dia 22 fui apresentá-los aos
governadores do reino, e às mais pessoas do costume.
Em o dia 29 fiz ajuntar os deputados da
Casa para dar contas da despesa, e receita da festa de ação de graças,
mostrei-lhe documentalmente que a sua importância tinha chegado a quantia
2,576$560 reis, e tinha recebido voluntariamente dos ofícios conforme as suas
relações reais 1, 506$190, ficando por indemnizar de 1,070$370, respondeu-se-me
com o termo n.º 72.
Em o dia 31 fiz a entrega do lugar na forma
do costume, aprovando-se-me todas as minhas contas, e dando graças ao Altíssimo
de ter escapado, [54] tanto ao pesado governo
francês, como das intrigas domésticas dos partidistas, e mãos portugueses.
Esta fiel, verdadeira, e exata exposição dirige-se somente a fazer patente a escrupulosidade, prudência, zelo, e medidas que tomei, em um tempo, em que a fidelidade do trono, e o amor da pátria exigiam a mais sisuda circunspeção, esperando e suplicando submissamente o perdão de algum descuido certo de que, havendo-o, é só erro de entendimento e não da vontade.